Reproduzindo do Blog do Dr. Gerivaldo Neiva-Juiz da Comarca de Conceição do Coité
Carnaval de Salvador: retrato em negro e branco II
Cordeiros protegendo o Bloco Nana (Chiclete com Banana) - Foto: Thiago Teixeira/A Tarde
Este texto foi postado aqui no blog logo depois do carnaval de 2010.
Continua atualíssimo e acrescentaria apenas que todas as contradições do ano passado se tornaram mais gritantes; que vi muito mais homens vestidos de mulheres e a mais bizarra das parcerias musicais: Olodum e Restart cantando juntos em cima de um Trio Elétrico.
Carlinhos Brown e foliã - Foto: Aristeu Chagas/A Tarde
Carnaval de Salvador: retrato em negro e branco
Gerivaldo Alves Neiva, 18.02.2010
O carnaval de Salvador é colorido e tem bom aroma quando visto pela TV.
Visto de perto e ao vivo, no entanto, o carnaval de Salvador é um mar de contradição de negros e brancos e não tem um bom aroma, principalmente nos becos e locais mais escuros. Um mistura de suor, cerveja e urina.
Eu posso contar porque vi de perto o carnaval de Salvador.
Vi um cordão de negros, de moças e rapazes, os tais cordeiros, segurando uma corda para proteger moças e rapazes brancos se divertindo em um bloco. Aliás, na maioria dos blocos, os cordeiros eram quase todos negros e os foliões quase todos brancos.
Em outro instante, vi novamente um cordão de cordeiros negros protegendo outros negros se divertindo em outro bloco. Certamente, negros pobres ganhando R$ 28,00 por diária para proteger negros ricos ou menos pobres.
Vi uma cordeira negra não suportar o calor e desmaiar, sendo levada por seguranças para o interior do carro de apoio ao Trio Elétrico.
Em outro instante, sob o mesmo sol, vi uma menina negra da Banda Didá tocando um tambor com toda sua força para homenagear outro negro, o Neguinho do Samba.
Espremida nas calçadas, vi uma multidão de “pipocas”, os sem-blocos, negros e brancos, empurrados e agredidos por cordeiros quase todos negros.
De súbito, vi muitos, muitos soldados, quase todos negros, com capacetes brancos, descendo o cassetete em foliões quase todos negros e sem-blocos.
Vi, também, uma patrulha inteira conduzindo um casal de idosos pelo meio da multidão. Não importa a cor da pele dos idosos, agora importa a ação positiva.
Vi, sobre o Trio Elétrico, músicos percursionistas, quase todos negros, tocando tambores e atabaques com energia sobrenatural.
Vi cantores e cantoras, negros e brancos, cantando axé e pagode. Rimas pobres, poucos acordes e refrões repetidos à exaustão dos ouvidos mais apurados.
Vi homens, brancos e negros, vestidos de mulheres como se tivessem deixado a fantasia no armário.
Vi de tudo e muito mais.
No final, quando não queria ver mais nada, vi homens, mulheres e crianças, quase todos negros, catando latinhas de cerveja pelas ruas.
E vi, perto do monumento ao dois de julho, a data de independência da Bahia, no Campo Grande, um homem negro, de olhos arregalados, catando latinhas de cerveja e, antes de jogá-las em um saco, balançava em busca de algum líquido em seu interior. Na maioria das vezes, bebia com prazer o resto da cerveja que alguém deixou na latinha, seja resto de branco ou negro, pobre ou rico.
Do alto, em camarotes, agora quase todos brancos, sem cordas e bem protegidos, celebridades e famosos posavam para fotos e se fartavam de boa comida e bebida.
O carnaval de Salvador é assim: um mar de contradição de negro e branco.
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